Nas artes, é comum vermos a transformação de grandes talentos em metonímias e adjetivos. Com uma referência, podemos facilmente imaginar um “jardim à la Monet” ou um “visual inspirado em Bardot”. Isabelle Huppert, com mais de 150 filmes em seu currículo e inúmeras homenagens, consolida-se como uma instituição cinematográfica viva, digna de ser considerada uma figura de linguagem.
Esse título lhe confere a liberdade de criar suas próprias regras na atuação. Em seu novo filme, “A Mulher Mais Rica do Mundo”, ela aproveita bem a liberdade de “livremente inspirado em fatos reais” para construir uma personagem única. Com o filme na bagagem, a dama do cinema francês chegou ao Rio de Janeiro na última semana para apresentá-lo no 16º Festival de Cinema Francês do Brasil, onde tivemos a oportunidade de conversar com ela em uma entrevista exclusiva.
Dirigido por Thierry Klifa, “A Mulher Mais Rica do Mundo” conta a história de Marianne Farrère (Isabelle Huppert), uma magnata dos cosméticos considerada a mulher mais rica e influente do mundo. Ao conhecer Pierre-Alain Fantin (Laurent Lafitte), um escritor e fotógrafo, ela desenvolve uma grande amizade irreverente com o dândi autodeclarado. Enquanto a família de Marianne desconfia que Fantin esteja abusando da fortuna da empresária e move um processo criminal contra ele, o filme nos leva a questionar as verdades por trás dessa relação.
O enredo é inspirado no caso Bettencourt-Banier, que dominou os jornais franceses nos anos 2010. O caso envolvia a herdeira do grupo L’Oreal, Liliane Bettencourt, que foi alvo de golpes disfarçados de amizade por parte do fotógrafo François-Marie Banier. No entanto, ao invés de seguir o caminho tradicional das cinebiografias e do true crime, o filme opta por uma abordagem mais sutil e dramática.
“Há um truque no ‘livremente inspirado em fatos reais’. A ideia genial de Thierry Klifa foi não contar a história pelo fim, que todo mundo já sabia na época do escândalo, mas sim pelo começo. E o público não sabia disso, porque, na verdade, ele conheceu essa mulher muito tempo antes do escândalo estourar”, afirma Huppert. Essa abordagem permitiu uma maior liberdade criativa e, talvez, um retrato mais justo do que a história é verdadeiramente.
A atriz reforça que não cabe a ela dar qualquer veredicto ou interpretação sobre o caso real, uma vez que ela se ateve ao roteiro para desenvolver a personagem. Ela destaca que gostou muito que a personagem se chamasse Marianne Farrère e não Liliane Bettencourt, pois isso permitiu uma maior liberdade para criar a personagem sem a carga de uma história real.
O filme apresenta uma mise-en-scène com um tom teatral, sobretudo quando o personagem de Laurent Lafitte não se curva diante do decoro do clã Farrère para proferir as maiores e mais sinceras atrocidades. A dupla formada por Marianne e Pierre-Alain é reminiscente de uma novela das nove, com uma dinâmica complexa e ambígua que deixa o espectador questionando as verdades por trás da relação.
“O fato dessa relação ser cinzenta e indefinida ajuda bastante. Permite usar todas as possibilidades que o cinema oferece para permanecer ambígua e em um âmbito mais sutil”, pondera Huppert. Ela e Laurent Lafitte se divertiram muito ao criar essa dinâmica, que é ao mesmo tempo intensa e desconfortável.
Sobre a amizade “intensa e ambígua” que rege a trama, Huppert entende que analisar Marianne somente como a vítima de um relacionamento parasitário reduz a dinâmica da personagem com sua fortuna e consigo mesma a algo simplista. “Acho que o dinheiro funciona como uma espécie de linguagem no filme. Para todos, o significado não é o mesmo”, afirma. Ela destaca que a ótica contrária também é possível, uma vez que Farrère está sendo manipulada em certa instância.
Diante dos dilemas e dúvidas provocados pela amizade que rege o longa, Isabelle Huppert espera que o público reflita sobre como “o cinema nos permite explorar toda uma dimensão da história à qual a simples leitura dos acontecimentos nos jornais não nos dá acesso” a partir da ficção. O 16º Festival de Cinema Francês do Brasil acontece até o dia 10 de dezembro em mais de 50 cinemas pelo país, com “A Mulher Mais Rica do Mundo” como um dos 20 longas-metragens exibidos no evento.















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