Um Clássico que Desafiou a Relutância: 43 Anos após seu Lançamento, o Documentário que Revolucionou a História do Cinema

Em 1975, o renomado cineasta Werner Herzog expressou sua visão sobre o processo de criação de filmes em uma entrevista publicada na revista Sight & Sound: “Quando estou filmando, sinto o peso do filme em meu corpo. Gosto de carregar os rolos, de sentir a textura do material”. Essa declaração reflete a profunda conexão que Herzog estabelece com sua obra, uma característica que se tornou marcante em sua colaboração com o ator Klaus Kinski.

A parceria entre Herzog e Kinski foi uma das mais notáveis e turbulentas da história do cinema. O documentário “Meu Melhor Inimigo”, lançado em 1999, retrata de forma brilhante a relação de amor e ódio que existia entre os dois. A primeira colaboração deles, “Aguirre, a Cólera dos Deuses”, foi marcada por uma série de problemas, mas nada se compara à experiência de filmar “Fitzcarraldo”, que se tornou um verdadeiro inferno. As filmagens dessa obra-prima foram um desafio constante, com condições adversas e conflitos que testaram a sanidade e a criatividade de todos os envolvidos.

A história do cinema está repleta de exemplos de produções que ultrapassaram os limites do caos, mas são raras as que foram registradas em tempo real, como um diário de bordo. Existem dois exemplos notáveis nesse sentido: o documentário “Francis Ford Coppola – O Apocalipse de um Cineasta”, dirigido por Eleanor Coppola, que captura as lendárias filmagens de “Apocalypse Now” com imagens emocionais; e “Burden of Dreams”, de Les Blank, que acompanha Herzog durante as filmagens de “Fitzcarraldo”. É possível assistir ao trailer desse documentário e ter uma ideia da magnitude do desafio que Herzog enfrentou.

As filmagens de “Fitzcarraldo” ocorreram em uma região remota da Amazônia, a 1400 quilômetros do primeiro vilarejo. A equipe enfrentou uma série de desafios, incluindo a ameaça de cobras venenosas, como a que atacou o guia de Herzog, que foi obrigado a amputar sua perna com uma motosserra para sobreviver. Além disso, a equipe enfrentou duas das maiores chuvas do século, que forçaram a interrupção das filmagens e a luta contra a lama. Outros desafios incluíram o incêndio de um acampamento, acidentes de avião, uma guerra fronteiriça entre o Peru e o Equador, e a doença do ator principal, Jason Robards, que foi substituído por Klaus Kinski após uma reescrita completa do roteiro.

Kinski, como sempre, brilhou em seu papel, mas suas crises de raiva e conflitos com Herzog foram tão intensos que, em uma manhã de 15 de junho de 1981, dois índios machiguengas propuseram que Herzog matasse Kinski, que estava se tornando insuportável. O ponto alto do documentário é a cena em que um navio de 320 toneladas é içado pela encosta de uma montanha na selva, apenas pela força humana. “Burden of Dreams” não deixa de lado nenhum detalhe dessas filmagens dantescas.

Herzog elogiou o documentário de Les Blank, dizendo: “É um filme muito bom. Eu estava relutante em dar meu consentimento por muito tempo, mas Les veio me ver e me disse: ‘Werner, se você falhar em fazer o navio a vapor passar para o outro lado da montanha na selva, pelo menos teremos as imagens’. Senti que ele tinha razão. É um filme maravilhoso, mesmo que me tenha dado muitos problemas”. Infelizmente, “Burden of Dreams” nunca teve uma edição física lançada, ao contrário do documentário “Meu Melhor Inimigo”, que foi lançado em DVD há 25 anos e reeditado em um pacote com o filme “Cobra Verde” em 2009. Para assistir a essa obra-prima do documentário, é necessário recorrer à importação, pois permanece inédita em nosso país.

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